23.9.07

Nota de Descontentamento


Caro Sr. Diogo Infante.
Venho por este meio expressar o meu profundo pesar e descontentamento pelo aparente sucesso da peça de V. Exa. no Teatro Maria Matos.
Hoje, Domingo, dia 23 (Vinte e Três) de Setembro de 2007 (Dois Mil e Sete) fiz-me acompanhar de dois amigos para ver a peça de V. Exa. que teria exibição ás 17h00 (Dezassete) no dito teatro que V. Exa tão Artisticamente Dirige.
Qual não foi o meu espanto quando, no meu comportamento tipicamente português, sem bilhete ou marcação prévia, me dirigi à bilheteira 20 (Vinte) minutos antes do inicio do espectáculo, e me deparei com uma multidão de gente e um fofo sinal escrito certamente também em Arial, dizendo:

Lotação Esgotada

Entre o desespero consumista de ter dinheiro extra nos bolsos e a aterradora visão de nos vermos sem nada para fazer durante o resto da tarde, decidimos então sair do meio da multidão e rumarmos em direcção à luz ambiente de um agradável Sol de Outono para podermos assim ponderar as nossas opções.

Como melgas tontas, encadeadas pelas luzes cegas do cinema e armados pela tola convicção de que ver cinema ainda vale a pena, decidimos caminhar uma dúzia de passos até à concorrência desleal do Cinema King Triplex.
Lá chegados, deparamos-nos com os 3 (três) cartazes dos 3 (três) diferentes filmes em exibição.
Não estando in the mood para mais influências anglo-saxónicas do que aquelas que encontramos tão comummente no nosso dia-a-dia, excluímos pela base da discriminação no nome, um tal filme chamado "Mysterious Skin".
Entre os que sobraram restava "O Capacete Dourado" e "O Sabor da Melancia".
Depois da profunda cicatriz emocional no teatro de V. Exa. decidimos considerar Jorge Cramez como "persona non grata" no nosso circulo de influências por este dia. Para nós, o sucesso da peça de V. Exa. era claro sinal que a Arte Portuguesa estava de óptima saúde e não necessitava assim do nosso contributo monetário.

Lançando um último olhar ao cartaz do feliz contemplado para os nossos 13 (treze) euros reparámos numa rapariga de pernas bem abertas com metade de uma melancia estratégica e pudicamente - pensávamos nós - lá colocada.
A nossa mente racional logo nos disse que tal não cheirava bem - tal referindo-se à ideia de ir ver o filme e não à melancia ou ao objecto não identificado escondido por detrás desta.
Lá tentámos contradizer a nossa intuição com o Urso de Prata de Berlim que o filme recebeu e com as altas classificações dos Ursos dos Críticos do Expresso cujos vagos e cabalísticos comentários nos deixam exactamente onde começámos - sem saber absolutamente nada daquilo que queremos ir ver.

Bem sentados e refastelados nos nossos lugares, lá nos preparamos para a curta-metragem "China, China" que seria então a cereja no topo do bolo. Pelos vistos também o João Pedro Rodrigues estava metido nisto tudo, pois o filme deste foi rapidamente delicioso, contrastando claramente e em todos os aspectos (menos o ar oriental das personagens) com a longa-longa-dolorosa-metragem que lhe seguiu.
Desde a primeira cena do filme até ao momento em que 50% dos espectadores decidiram seguir o maior visionário da sala seguindo-lhe até à saída da sala, que eu tentei usar toda a minha capacidade mental para encontrar graça em num filme pornográfico sem genitais, com um fetiche melanciofilico e um argumento pseudo-intelectual claramente ultrapassável por qualquer uma das histórias da "Gina".
Infelizmente um dos meus amigos deixou cair o telemóvel para baixo da cadeira da vizinha do lado. Devido ao embaraço colectivo que se fazia sentir por toda a sala e temendo pela sua saúde e reputação pública, decidiu estóicamente resistir à tentação de jogar a mão debaixo da cadeira e agitá-la como se não houvesse amanhã.
Nós fizemos também grande e demorado esforço para não sair a correr da sala e deixar o nosso amigo só e vulnerável ao fogo inimigo de uma película totalmente carnal em widescreen e som surround.
Quando o filme lá terminou, pensei eu que tinha também terminado toda a minha agonia.
Assim que me levantei, no mesmo instante em que subiram os créditos, desceram as minhas calças ao chão, puxadas rapidamente pela gravidade e pelo meu incomum - e propício a embaraços - costume de desapertar o botão das calças antes de me sentar, para poder estar mais à vontade.
Escusado será dizer que os olhares dos restantes espectadores se viraram e arregalaram como nunca havia visto antes na minha vida. Devo também dizer que a minha escolha de underwear não foi também a mais propícia a este momento fora do tempo em si. Não sei porquê aqueles cupidos e corações tiveram o dom de atrair mais atenções do que as que eu alguma vez desejara.
Não sei como me safei dessa mas só sei que foi muito, muito rápido.
Por tudo isso e por me ter feito passar uma das maiores vergonhas da minha vida, gostaria que V. Exa. soubesse que vos considero, a si e a toda a equipa responsável pelo sucesso de produção da peça, moralmente responsáveis pelo atentado de 09/23 que para sempre marcará a minha vida.

Mário, Lisboa 23/09/07

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