29.1.08

Não Sei Bem

Sentado admirando uma certa paisagem da qual já não me recordo, segurava o cigarro com a pérfida convicção de que tinha eu na mão o fogo de Prometeu. Sorria então, por segundos apenas, perante a ironia imensa dessa constatação:
A forma como usava o fogo da Evolução para minha própria destruição.
O crispar do cigarro, a invasão do fumo, o quase sufoco, a sádica satisfação de ter fogo, logo, poder na mão. A estranha sensação que é viver plenamente quando nos apercebemos que estamos a morrer constantemente.
Num olhar pesado, desinteressado, expirava lentamente. Sentia o fumo a sair e a sensação de alívio a fluir. Numa pequena morte, vive-se outra vez. Expele-se de vez o fumo e algum alcatrão.
Ver a nuvem de fumo a subir e pensar que tenho em mim um dragão e, pelo inconsciente colectivo deduzir, que tenho também a sua força e ambição...
Calam-se os pensamentos à medida que a mão direita repete o gesto do carniceiro que sadicamente baixa a guilhotina sem reparar no olhar de esperança derrotada da fénix consciente que está prestes a ter a cabeça cortada.
Não me importa deixar de pensar quando só quero por uns momentos morrer e renascer. Fumar é absolver. É a expressão última da transmutação pelo fogo. Suprimindo a liberdade, inflamando a Vontade que consome os pensamentos, se consome a si mesma e que renasce das cinzas como nova.

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