2.11.07

Fragmento (I)

Aproximou-se a grande velocidade e sem aviso.
Ficou surpresa no meio da estrada por milésimos de segundo, encadeada por uma luz surgida do nada: A lebre foi atropelada.
Um simples salto no carro e já está. O puro branco da sua pelagem desfez-se numa fracção de segundo em vermelho sangue e preto alcatrão. A noite apaga a imagem que não chegou a ser e faz esquecer aquilo que não queremos relembrar. Numa canção de embalar, num tom leve e inebriante leva-nos a fechar os olhos e a aceitar o destino. A largar o volante e a lentamente sentir-me estranho, diferente, subitamente aliviado da dor e da emoção, sinónimos que habitam o meu coração.
Ignorar o barulho das rodas no separador. Tomar o som por um rouxinol cantor numa tarde de Verão ainda Primavera em que pela primeira vez te vi. Acordar resignado e insistir de novo, só mais um bocado, em ficar vivo e acordado. Em sofrer só mais um minuto, um e mais outro, e outro e outro e todos esses mais que seguem isolados sem razão ou sentimento; carregados unicamente com o esquecimento frio de não sei bem o quê - uma responsabilidade órfã e uma voz desfigurada que me diz que há coisas que o coração não deixa esquecer.

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